Deputados defendem ações de prevenção para combater a violência contra jovens negros e pobres

Audiência foi feita na ONG Ciame Flamengo em BH. (Foto: Jean Piter)
Audiência foi feita na ONG Ciame Flamengo em BH. (Foto: Jean Piter)

Criar ações preventivas para reduzir os índices de violência no país, em especial entre os jovens negros de baixa renda. Esse é objetivo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Violência contra Jovens Negros e Pobres, instalada em março deste ano, a pedido do deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG). O grupo de trabalho realizou uma audiência, na manhã desta segunda-feira (08), na ONG Ciame Flamengo, no bairro Alto Vera Cruz, região Leste de Belo Horizonte. O evento foi promovido em parceria com a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas (ALMG), por iniciativa do deputado estadual Cristiano Silveira (PT).

 

Reginaldo Lopes, que preside a CPI, destacou que o Brasil tem hoje uma alta taxa de homicídios, semelhante à de países em guerra. “São 22 homicídios para cada 100 mil indivíduos. Se considerarmos apenas os jovens negros, esse número sobre para 48 a cada 100 mil. É um genocídio que a população tem assistido em silêncio. Grande parte desses crimes tem origem na ausência de políticas públicas. Esse é um problema histórico que precisa ser corrigido com urgência”.

 

Para o parlamentar, o Poder Público precisa investir em ações mais efetivas de prevenção. “A segurança não deve ser responsabilidade apenas dos estados. É preciso a participação dos municípios, da União, do Judiciário, do Legislativo, dos movimentos sociais e toda a população, principalmente em programas preventivos. Ao final dessa CPI, vamos apresentar uma proposta com meta de reduzir a taxa de homicídios para menos de 10 para cada 100 mil nos próximos 10 anos”.

 

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Relatos dos moradores

Na audiência no Alto Vera Cruz, os moradores relataram casos de violência ocorridos na região. Eles também deram sugestões de ações para combater a criminalidade no país. “Na Europa, um co-piloto derrubou um avião, fazendo várias vítimas. Investigaram a vida dele e descobriram um histórico de depressão e outros problemas. Agora estão adotando medidas para evitar que isso se repita. Aqui, morre um jovem negro e pobre, logo dizem que é por tráfico de drogas. Nem sempre é, não é algo tão simples. Temos que estudar a origem desses crimes para criar políticas efetivas de prevenção”, disse o presidente da Central Única das Favelas (Cufa), Francis Henrique.

 

Para o músico Flávio Renegado, o país vive um retrocesso político. “O Brasil tem uma dívida histórica com a população negra e pobre que vive nas vilas e favelas. Infelizmente, a repressão da Polícia Militar é, na maioria das vezes, o único contato desses moradores com o Estado. Pra piorar, em Brasília, estão discutindo a redução da maioridade penal e a liberação de porte de armas. É uma inversão de valores que só vai aumentar os índices de violência. O que precisamos é de mais educação, cultura, esporte e, principalmente, de mais espaços de diálogo como esse para que o povo seja ouvido”.

 

“Engana-se quem pensa que o vendedor de drogas tem dinheiro. Quem ganha dinheiro com o tráfico é quem financia. Nas favelas, quem está envolvido com o tráfico vive em condições sub-humanas. Muitos são também usuários e estão nessa vida por falta de opções melhores. Eles foram empurrados para o mundo do crime por não terem assistência do Estado. Fazemos aqui um trabalho de resgate desses jovens, mas ainda é pouco. O Poder Público ainda é omisso”, relatou Warley Fernando, o ‘Chocolate’, morador do bairro e ativista social da Igreja Batista Nacional.

 

O músico e agente cultural Evandro Emeci destacou que o Alto Vera Cruz não é o bairro mais violento de Belo Horizonte. “Quem conhece nosso bairro sabe que isso não é verdade. Queremos mudar essa imagem negativa que tem sido propagada na mídia. Para isso, criamos a campanha ‘Amor ao Alto Vera Cruz’, que mostra pessoas daqui que fazem a diferença no esporte, na cultura e na área social. Essas histórias precisam ganhar visibilidade. Precisamos do apoio do Poder Público para mostrar a realidade positiva que temos aqui”.

 

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Debate público

Na tarde da segunda-feira (08), como parte dos trabalhos, foi realizado o debate público “Genocídio da Juventude Negra no Brasil”, no Plenário da Assembleia. O presidente da Comissão de Direitos Humanos da ALMG, deputado Cristiano Silveira (PT), destacou que o Estado não tem investido de forma adequada na área de segurança pública. “Temos visto o Poder Público comemorando a compra de novas viaturas e a inauguração de novos presídios. O ideal seria que, a cada ano, a população carcerária fosse cada vez menor, mas vemos o contrário. Precisamos direcionar esses investimentos para ações de prevenção por meio da inclusão social”.

 

Segundo Cristiano, o alto índice de jovens negros assassinados no país é fruto da ausência do Estado. “O jovem da periferia se envolve com o tráfico de drogas, na maioria das vezes, por um sentimento de pertencimento, de autoafirmação, e não por dinheiro. Sem acesso a educação de qualidade, formação profissional, atividades culturais e esportivas, o crime vence a disputa. Infelizmente, o fim desses jovens, que são negros e pobres na maior parte, é a morte ou o presídio”.

 

De acordo com a relatora da CPI, deputada federal Rosângela Gomes (PRB-RJ), o país tem uma dívida histórica com a população negra e pobre. “Ainda hoje o negro é visto como alguém incapaz de ocupar uma condição social e profissional de destaque. Temos que abrir mais espaços para os negros, dar mais oportunidades, sejam pelas políticas de cotas ou por outros programas, para que o povo tome consciência de que todos nós somos iguais”.

 

O encontro contou com a participação de representantes de movimentos sociais, de entidades de classe, do Governo do Estado, Judiciário, Ministério Público e parlamentares.

 

Diagnóstico

Minas Gerais é o quinto estado visitado pela comissão. Os parlamentares planejam realizar audiências nos estados com os maiores índices de mortalidade de jovens negros e pobres para estudar as causas do problema. Os relatórios serão utilizados na construção de um plano nacional de combate a violência.

 

Levantamento

De acordo com o Mapa da Violência 2014, dos 56.337 homicídios cometidos no país em 2012, 30.072 vítimas eram jovens entre 15 e 29 anos. Desse total, 23.160 (77%) eram negros e pardos. O estudo foi pelo pelo sociólogo Julio Jacobo, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO). O levantamento é publicado anualmente desde 1998.