Violência contra profissionais da imprensa deveria ser crime federal, defende categoria

Crimes contra profissionais da imprensa, no exercício da profissão, deveriam ser investigados pela Polícia Federal e julgados por juízes federais, para que esses processos tenham isenção. Essa foi uma das sugestões apresentadas por participantes da audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada nesta quarta-feira (9), para debater casos de violência contra jornalistas. A reunião foi motivada pelos casos ocorridos no estado nos últimos anos, em especial na cobertura de manifestações.
Thalles Lopes, representante dos grupos Mídia Ninja e Jornalistas Livres, relatou casos de perseguição. “No calor das manifestações, sobra pra todo mundo. A polícia age com violência contra profissionais que estão com coletes e crachás dos seus veículos e contra quem não está identificado. Mas, a perseguição é maior contra os membros das mídias independentes, como é o nosso caso. Por, geralmente, estarmos de um lado de uma causa que vai às ruas, os policiais têm a clara intenção de nos prender como uma forma de intimidação”.
No mês de agosto, o fotógrafo do jornal O Tempo, Denilton Dias, foi atingido por uma bala de borracha, disparada por um policial militar, durante manifestação contra o aumento das passagens de ônibus, no Centro de Belo Horizonte. Ele participou da audiência e disse que ainda não voltou a trabalhar desde o ocorrido, por conta da lesão na perna. O caso foi denunciado à Corregedoria da Polícia Militar (PMMG) e está sendo acompanhado pelo Ministério Público (MPMG) e pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais.
O presidente da Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos de Minas Gerais (Arfoc-MG), Léo Drumond, também relatou que sofreu agressões por parte da Polícia Militar, por duas vezes, quando fazia a cobertura de protestos. “Não cheguei a registrar boletim de ocorrência, mas sei que deveria ter denunciado. Todos os casos precisam ser denunciados e apurados com rigor. E, claro, comprovado o uso excessivo de força, é necessário que haja punição exemplar para que novos casos não venham a ocorrer”.
Treinamento

O subcorregedor da Polícia Militar, tenente-coronel Peterson Brandão, informou que as denúncias de agressão por parte de militares contra profissionais da imprensa já estão sendo apuradas. Segundo ele, o prazo regulamentar para as investigações é de 40 dias, podendo ser prorrogado por mais 20, se houver necessidade. Caso seja comprovada a conduta irregular do policial, dependendo da gravidade, ele pode ser condenado a cumprir medidas disciplinares, ser suspenso ou até mesmo expulso da corporação.
O tenente-coronel ressaltou que a Polícia Militar já promoveu um curso de capacitação para profissionais da imprensa, voltado para adoção de medidas de segurança na cobertura de manifestações e grande eventos. Ele sugeriu a realização de novos treinamentos, em parceria com o as entidades que representam os jornalistas, fotógrafos e cinegrafistas.
Para o presidente do Sindicato dos Jornalistas, Kerison Lopes, proposta de treinamento é uma iniciativa válida. “Sem dúvida, todo mecanismo que puder dar mais seguranças aos profissionais no exercício da profissão é de grande ajuda. Mas, considerando que quase a totalidade das agressões partem de agentes públicos, em especial a polícia, é preciso que os militares também recebam treinamento. Eles precisam estar preparados para saber agir nessas ocasiões. E, acima de tudo, eles têm que respeitar o nosso trabalho”.
Caso Rodrigo Neto

Durante a audiência, foi lançado o minidocumentário “Impunidade mata”, que conta a história do radialista e jornalista investigativo Rodrigo Neto. Ele foi assassinado com três tiros, em 2013, em Ipatinga, no Vale do Aço. Na época do crime, profissionais da imprensa da região se uniram e criaram o Comitê Rodrigo Neto para cobrar rigor na apuração do caso. O filme foi produzido pela Article 19, organização não governamental (ONG) que atua em defesa da liberdade de imprensa.
“É preciso que seja analisado caso a caso. Sabemos que cerca de 80% dos crimes contra profissionais da imprensa são cometidos por agentes do estado, quase sempre ligados ao poder local, sejam policiais ou políticos. Portanto eles podem ter influência nas investigações, o que é um passo para a impunidade. Esses casos sim precisam ser apurados pela Polícia Federal para que se tenha isenção. É uma medida que consideramos fundamental para o livre exercício do jornalismo”, defendeu Thiago Firbida, integrante da Ong Article 19.
O representante do Comitê Rodrigo Neto, André Almeida, também defendeu a federalização. “No nosso caso, pessoas ligadas à Polícia Civil estavam envolvidas no crime. Foram julgadas e condenadas. Prenderam quem puxou o gatilho, mas, infelizmente, não sabemos quem foram os mandantes. Podem ser pessoas conhecidas. Isso nos deixa uma sensação enorme de impunidade e ao mesmo tempo um receio de continuar o trabalho investigativo do Rodrigo. Na verdade, esse trabalho nunca mais foi feito do mesmo jeito desde a morte dele”.
Providências

A Comissão de Direitos Humanos vai solicitar apuração dos casos apresentados durante a reunião. O registro da audiência, com todas as falas e depoimentos, será enviado para o Comando da Polícia Militar, Polícia Civil, Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), e Procuradoria-Geral de Justiça (MPMG), pedindo as devidas providências. O documento também será encaminhado aos deputados federais e senadores de Minas, pedindo apoio para um projeto que torne crime federal os casos violência contra profissionais da imprensa.
“No caso específico da morte do Rodrigo Neto, pedimos que a Polícia Civil aprofunde as investigações para que se possa chegar aos mandantes. Também solicitamos ao Comando da Polícia Militar que estabeleça, junto à Secretaria de Estado de Direitos Humanos, protocolos de atuação em manifestações. É preciso que os movimentos sociais tenham segurança para protestar. Ao mesmo tempo, é preciso dar segurança aos profissionais da imprensa no exercício de suas funções”, destacou o presidente da comissão, deputado Cristiano Silveira.
Congresso Nacional
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 15/2010 tinha o objetivo de atribuir competência aos juízes federais para processar e julgar os crimes praticados contra jornalistas em razão de sua profissão. O texto foi arquivado no Senado, no fim de 2014, com fim da legislatura. Na Câmara dos Deputados, tramita o Projeto de Lei 191/2015, de autoria do deputado federal Vicentinho (PT/SP), que federaliza a investigação dos crimes contra jornalistas.